Ju Amorim faz parte da nova geração de empresários que transformaram o edifício, que antes abrigava agências de turismo e restaurantes, em um polo de arte, design e decoração
Mariana Missiaggia,
02/Set/2024 em: Diário do Comércio (dcomercio.com.br)
Dos muitos movimentos de revitalização que acontecem no Centro de São Paulo, alguns já estão consolidados e deram novo fôlego à região. Na República, a Praça Dom José Gaspar vive há algum tempo essa retomada com os festivais e a programação da Biblioteca Mário de Andrade, novos negócios, como o bar Gaspar, e todo o vigor da Galeria Metrópole.
Entre peças assinadas por designers, lojas de vinho, restaurantes regionais e livrarias, a Metrópole ganhou um novo público nos últimos dois anos e passou a ser frequentada por gente jovem e descolada, após enfrentar uma série de fechamentos acentuada pela pandemia.
Vivendo uma nova fase e com mais de 80% das lojas ocupadas, o endereço é agora reconhecido como polo de arte, design e decoração, além de contar com boas opções gastronômicas, que fogem do tradicional, como o Gatcha Cafe.
Juliana Amorim é uma das responsáveis por ter dado essa perspectiva mais contemporânea à Galeria. Em 2021, quando o edifício apresentava uma desocupação considerável, a designer apostou em um ambiente colorido, com placas neon e cheiro de incenso, para vender seus vasos, bancos e outros objetos pintados à mão.
Apaixonada pelo Centro, Juliana começou sua marca – a Ju Amora – no bairro de Perdizes, mas sempre esteve atenta a oportunidades na região da Galeria Metrópole. Durante a pandemia, o cenário de abandono, as muitas lojas fechadas e a pouca circulação de pessoas não pareciam favoráveis à abertura de um novo negócio.
Mesmo assim, atraída por valores de locação menores, pelo potencial de uma arquitetura inspiradora e o rico patrimônio modernista daquela região, decidiu apostar na vocação criativa do Centro.
“Me atraí por essa veia cultural e por admirar outros negócios que têm tudo a ver com o que o Centro transmite. Aqui no Centro fazemos conexões com diferentes mundos e ampliamos o acesso para as pessoas conhecerem melhor o que é produzido na cidade”, diz.
Na mesma leva, o designer de mobiliário Bruno Niz abriu as portas do Estúdio Niz, que vende mobiliário de perfil minimalista. Ao lado de Juliana e outros empreendedores, Bruno movimenta uma série de iniciativas, como a feira Jardim Secreto, que ocorre mensalmente no prédio. O intuito é dar maior visibilidade à galeria e requalificar seu entorno como espaço cultural e de conexão com quem passa por ali.
Um ideal comum entre os que empreendem na área, como Paulo Alves, designer que ocupa a Galeria Zarvos, logo à frente da Metrópole, e que há anos se empenha em atrair colegas para o Centro. É de Paulo, por exemplo, a iniciativa de colocar a Design Week DW! em espaços do Copan e das galerias Zarvos e Metrópoles, assim como outras exposições e eventos sobre arquitetura, arte e urbanismo.
Lucas Lassen é outro empresário que foi seduzido pelo endereço. Há pouco mais de um ano, ele escolheu a Metrópole para abrir a terceira unidade da Paiol, sua loja de artesanato brasileiro inaugurada há 15 anos e que tenta desmistificar a ideia de que esse tipo de arte é elitizado. Lucas mantém a sua unidade principal na rua Fradique Coutinho, em Pinheiros, além de outra loja no shopping Center 3, na avenida Paulista.
ÍCONE MODERNISTA
Projetada entre os anos 1950 e 1960 por Gian Carlo Gasperini e Salvador Candia, a Galeria Metrópole é um ícone da arquitetura modernista e por anos foi reduto da elite paulistana. A arquitetura do edifício foi pensada para permitir a continuidade da rua para o interior do prédio, numa espécie de convite ao pedestre, atuando como extensão da praça Dom José Gaspar.
Publicações da época destacavam o caráter inovador do edifício comercial, que oferecia um espaço interno que é continuação do externo, além de algo inédito para os padrões da época – um funcionamento vertical baseado em 14 escadas rolantes. Atributos que o colocam como precursor de muitos dos atuais shopping centers da cidade.
Entretanto, de centro comercial de luxo nos anos 1960, a Metrópole passou por um declínio a partir do final da década de 1970, quando suas lojas padronizadas deixaram de ser competitivas frente a um mercado que já demonstrava certa diferenciação. O aumento da violência na região e a criação de novos bairros de luxo também contribuíram para o esvaziamento da galeria.
Na década de 1980, com a revitalização da Praça Dom José Gaspar, o complexo ganhou algum fôlego e passou a abrigar muitas agências de turismo, lojas de conserto, restaurantes no térreo e uma casa noturna. O local ainda era muito frequentado, especialmente, por quem trabalhava na região e o utilizava como praça de alimentação na hora do almoço.
Até que vieram os anos de pandemia e, com eles, o fechamento de muitos espaços comerciais, fazendo o complexo ganhar aspecto de um lugar abandonado.
ECONOMIA CRIATIVA EM ALTA
Cercado por prédios históricos e com boa localização, restam poucas unidades disponíveis para lojistas na Galeria Metrópole, em divisões de cerca de 50 metros quadrados e alugueis, em média, de R$ 3,5 mil.
Editoras e livrarias também encontraram espaço para operar na Metrópole, com uma seleção de livros que agrada ao público principal que habita por lá – arquitetos, fotógrafos, designers e interessados em arte em geral. A IP Livros Usados é uma das que funciona no local com uma seleção de livros sobre os assuntos favoritos desse público.
Há pouco mais de um ano, a Sobinfluencia Edições funciona como livraria e também um espaço de encontros de formação política, movimentos autônomos e arte independente. A loja mais nova no local é do Instituto Socioambiental (ISA), organização que defende os direitos dos povos indígenas e exibe uma seleção de cerâmicas, cestarias e acessórios produzidos por diversas etnias.
Não muito longe dali, o movimento de resgate da Metrópole parece se repetir no Condomínio Edifício e Galeria Califórnia, que interliga a rua Barão de Itapetininga com a Praça Dom José de Barros, projetado pelos arquitetos Oscar Niemeyer e Carlos Lemos.
Assim como a Metrópole, o condomínio também experimenta uma radical mudança no perfil de seus ocupantes. Tradicionais no local, os escritórios de advocacia passaram a dividir espaço com lojas de artesanato e estúdios de artistas visuais que se transferiram para lá.
A arquitetura, o tamanho generoso dos apartamentos e até a luminosidade da região fazem com que o endereço se adapte perfeitamente às atividades dos vinte ateliês que hoje atendem no local.
IMAGENS: divulgação