10 artesãos brasileiros com trabalhos que vale a pena conhecer

Especialistas em técnicas antigas ou em novas formas de criar, eles desenvolvem peças que são um verdadeiro legado da cultura e história brasileiras

Matéria realizada e publicada por Ana Sachs em https://revistacasaejardim.globo.com/artesanato/noticia/2023/03/10-artesaos-brasileiros-com-trabalhos-que-vale-a-pena-conhecer.ghtml
O artesanato brasileiro é tão diversificado quanto o povo, a cultura e a história do país – Foto: Artesol, Sérgio J. Matos e Artesol / Divulgação

No Dia Mundial do Artesão, celebrado 19 de março, há muito o que comemorar, mas também muito o que avançar. Apesar da visibilidade e reconhecimento cada vez maiores, os artesãos brasileiros ainda têm dificuldades de viver de sua arte.

Segundo pesquisa feita no fim de 2022 pela Artesol, organização que atua há 25 anos na valorização do setor, a renda máxima mensal de 39% dos 10 mil artesãos de 24 estados brasileiros mapeados pela rede é de R$ 550, abaixo do salário mínimo. Um percentual de 51% vivem em áreas rurais e 76% afirmam que são profissionais não formalizados.

“A data é importante para que a nossa sociedade entenda o que essas criações representam para a cultura do nosso país. Neste dia, devemos celebrar a luta destes indivíduos por reconhecimento, valorização e remuneração justa”, destaca Jô Masson, diretora executiva da Artesol.

Para Lucas Lassen, diretor criativo e curador da loja Paiol, o artesanato vai além das questões estéticas e econômicas: é parte da identidade do povo brasileiro. Mesmo como a modernização, estes saberes se mantêm vivos, atravessando gerações e, mais ainda, se mantêm atuais. Por isso, é tão importante valorizar, incentivar e reconhecer os artesãos, avalia.

Veja a seguir, 10 artesãos brasileiros com um trabalho que vale a pena conhecer e acompanhar.

1. Bacaro Borges

Bacaro Borges é filho caçula de J. Borges, maior referência brasileira em xilogravura — Foto: Marlom Meireles e Arquivo Pessoal / Divulgação

O jovem de Bezerros (PE) é o caçula dos 18 filhos de José Francisco Borges, mais conhecido como J. Borges, maior referência brasileira em xilogravura. A presença constante no ateliê de seu pai acabou transformando a técnica em sua principal forma de expressão artística.

Mesmo estando ligado às tradições pernambucanas – e de outras regiões do Nordeste – seu trabalho também reflete as observações e demandas típicas de sua geração, com trabalhos que fazem referência à música, à estética do sertão e aos movimentos sociais.

2. Bento de Sumé

O paraibano Bento de Sumé faz esculturas de madeira, trabalho que aprendeu sozinho — Foto: Governo da Paraíba / Divulgação

Nascido em Sumé (PB), Bento teve os primeiros contatos com a madeira por meio do roçado. Trabalhou alguns anos fazendo carvão em sua cidade natal, até que, aos 18 anos, decidiu ir para São Paulo em busca de trabalho.

Foi atropelado e, com dificuldade de locomoção e dependendo de muletas, começou a esculpir usando pallets que achava na rua. Decidiu voltar para sua cidade natal e criar peças usando imburana – madeira com a qual já tinha familiaridade – que vão de santos a pássaros e outros animais.

3. Célio Freire de Sousa

Célio Freire de Sousa transforma pedaços de madeira em esculturas multicoloridas — Foto: Artesol / Divulgação

O artesão transforma móveis e outros pedaços de madeira que encontra pelas ruas e calçadas de Fortaleza (CE) em esculturas multicoloridas e cheias de detalhes, que exploram a relação entre formas humanas e da natureza.

Para criar os diferentes efeitos na pintura, utiliza tinta acrílica e PVA com ferramentas diversas, como pincéis, esponja, palito de churrasco e escova de dentes.

Parte de sua inspiração vem do pintor naif Chico da Silva, que foi seu vizinho quando criança. Vive da arte há apenas cinco anos, depois que seu filho criou um perfil em uma rede social para divulgar o seu trabalho.

4. Dona Rita

A ceramista Dona Rita trabalha desde os 12 anos no Vale do Jequitinhonha (MG) — Foto: Giovana dos Santos e Theo Trindade / Divulgação

Artesã desde os 12 anos de idade, a ceramista, hoje com 68 anos, é um retrato das mulheres que moldam a vida a partir do barro no Vale do Jequitinhonha.

Moradora de Campo Alegre, no município de Turmalina (MG), ela aprendeu o ofício junto com a mãe, também artesã, nesta região que é reconhecida por ter famílias que trabalham com o material há pelo menos seis gerações.

Suas primeiras peças foram casinhas que vendeu em feiras locais e, hoje, também faz potes, jarras, pratos e panelas.

5. Enauro Luiz Rocha Costa

O artesão alagoano Enauro Luiz Rocha Costa cria luminárias cheias de cor — Foto: Artesol / Divulgação

O artesão de Maceió (AL) usa a casca do coco seca – material que costuma ser descartado – e miçangas para criar luminárias cheias de cor.

Autodidata, passou dois anos estudando como trabalhar com o material. Identificou sozinho o tempo certo de colher o fruto, quando e como abri-lo, além de desenvolver máquinas específicas para criar os trabalhos.

O alinhamento dos furos – chegam a 5 mil em uma única peça – é feito com ferramentas também desenvolvidas por ele, e os desenhos são inspirados no sincretismo cultural de sua terra natal. Hoje, suas criações já estão presentes em países como Argentina, Itália, Canadá e Estados Unidos.

6. Hercília Batista

Hercília Batista, artesã especialista na delicada técnica da Palma de Ouro — Foto: Artesol / Divulgação

Há mais de trinta anos atuando em Sabará (MG), a artesã cria peças usando a técnica da Palma Barroca, que consiste em arranjos florais feitos com chapas metálicas banhadas a ouro. Herança portuguesa, chegou ao país no século 18, instalando-se na região no mesmo período de formação das cidades barrocas.

O conhecimento repassado ao longo dos séculos resistiu e, nos anos 1980, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) resgatou a tradição por meio do Museu do Ouro, onde a artesã, que já recebeu certificado de artesanato de tradição por excelência da Unesco, também trabalha.

7. Joelma Silva

Joelma faz trançado da palha de piaçava, técnica que aprendeu ainda criança com a mãe — Foto: Arquivo Pessoal e Artesol / Divulgação

Nascida em Porto de Sauipe (BA), é uma das responsáveis por manter uma tradição secular: o trançado da palha de piaçava, técnica que aprendeu com a mãe aos sete anos de idade. Suas peças compreendem um amplo portfólio de acessórios de moda e utilitários, como bolsas, cestos e tapetes.

Hoje, aos 54 anos e mãe de três filhos, ela luta para manter a técnica de origem indígena Tupinambá viva. Além disso, a atividade na região é responsável por auxiliar na preservação da flora local, com técnicas extrativistas que respeitam os ciclos de recuperação da palmeira.

8. Leno

Leno, atua na Ilha do Ferro (AL) e trabalhou como pedreiro até se encontrar no artesanato — Foto: Arquivo Pessoal e Dani Neves / Divulgação

Girleno Alves Amorim, mais conhecido como Leno, atua na Ilha do Ferro (AL) e trabalhou como pedreiro até decidir dar vida a criaturas dentuças que via em sonhos e se tornar artesão. Filho de pai pedreiro e avô carpinteiro, ele usou as suas habilidades com as ferramentas na produção das peças.

O primeiro trabalho nasceu em 2015 e, logo depois, vieram as cadeiras Armação, feitas com galhos da madeira pereiro, típica da caatinga, além de bancos e esculturas inspiradas em figuras reais e imaginárias.

9. Natalina Soares de Souza

Natalina Soares de Souza aprendeu a arte da tecelagem ainda criança, com a mãe — Foto: Artesol / Divulgação

De Berilo, município no Vale do Jequitinhonha (MG), a tecelã começou no ofício ainda criança, descaroçando o algodão para fiar. Aos nove anos, já sabia tecer e, aos 12, assumiu o trabalho da mãe doente e o sustento da casa.

Hoje, depois de mais de 40 anos, ainda usa o antigo tear deixado pela mãe, datado de 1955, e tenta manter viva a técnica que remonta ao século 18 e que tem se perdido com o desinteresse das novas gerações. Em 2020, ela foi homenageada no livro À luz do algodão, do fotógrafo Lori Figueiró.

10. Rosa Chota

A índia Rosa Chota faz trançado de palha com as fibras de arumã e tucum no Amazonas — Foto: Sérgio J. Matos / Divulgação

Da etnia Ticuna, maior grupo indígena do Amazonas, a artesã trabalha desde os 13 anos com o trançado de palha das fibras de arumã e tucum, na Comunidade Indígena Ticuna de Bom Caminho, no entorno da cidade de Benjamin Constant (AM).

Filha de artesã, os trabalhos produzidos pela etnia têm como objetivos a geração de renda e, sobretudo, a preservação da tradição artesanal, reconhecida pela beleza de suas cestarias. Há 42 anos neste ofício, ela tem cinco filhos também envolvidos com artesanato.

Festival traz design e artesãos ao centro de SP em busca de revitalização

Design Week reúne expositores nas galerias Metrópole e Zarvos e no edifício Copan até este domingo

Matéria realizada e publicada por Caio Delcolli em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/03/festival-traz-design-e-artesaos-ao-centro-de-sao-paulo-em-busca-de-revitalizacao.shtml

Para fugir do estigma de um centro degradado e perigoso, designers se apropriaram de espaços nas galerias Metrópole e Zarvos e no edifício Copan, no centro de São Paulo, para montar suas sedes. Eles são alguns dos expositores da Design Week, a DW, que acontece até este domingo (19).

Na primeira galeria, estão as lojas Paiol, Ju Amora, Estúdio Niz e Des_Apê. Já na segunda, a de Paulo Alves e a Feira na Rosenbaum. E no Copan está a Boom SP Design.

Nos últimos anos, o designer Paulo Alves tem se empenhado para atrair colegas para o centro. “A gente está em uma região que tem um patrimônio incrível de arquitetura moderna”, diz.

Francesco Missoni – Boom SP Design – Divulgação

“Tem uma quadra triangular com as avenidas Ipiranga e São Luís e a rua Consolação. Você tem o edifício Copan e tantos outros que são importantíssimos e históricos. A gente tem mania de abandonar o centro e ir para fora da cidade, mas é preciso ocupar esse lugar.”

Alves defende que o melhor público para ocupar de maneira decisiva a região são os criativos —ele comemora, por exemplo, a chegada da livraria Megafauna, em 2020, e o Bar da Dona Onça, em 2008, ao térreo do edifício projetado por Oscar Niemeyer.

Alves se uniu a iniciativas, durante a feira deste ano, como exibição de documentários sobre designers e arquitetos brasileiros, além de expor em sua loja a coleção “Tesouros do Brasil”, fruto de uma parceria com a loja de tapetes By Kamy em que a fauna brasileira é retratada em peças feitas a partir de tramas descartadas.

Juliana Amorim, da Ju Amora, especializada em pinturas à mão em bancos, conta ter mudado de Perdizes, na zona oeste, para a galeria Metrópole em 2021, em meio a uma das piores fases da pandemia.


“Eu vim para cá justamente por esse lugar ter sido atingido tão negativamente pela pandemia. Aqui, eu senti uma energia de transformação, junto com os outros criativos que fizeram o mesmo movimento”, diz.

Ela diz que o poder público é, em parte, responsável pela revitalização da área, mas acredita que as pessoas podem fazer a diferença individualmente, a despeito disso.

“A gente precisa melhorar o nosso entorno, não só pelos designers, mas por todo o centro, que é um patrimônio. A função dele precisa ser revivida”, afirma.

Amorim e Lucas Lassen, da Paiol, colega de galeria, fizeram uma parceria para promover uma mistura cultural e criativa. Com as coleções “Cores e Mãos do Cerrado” e “Cores e Mãos do Sertão”, eles mostram diferentes linguagens se retroalimentando nas peças.

A primeira coleção cruza o artesanato em cerâmica do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, com os traços delicados de Amorim, por sua vez paulistana. A segunda tem mesas e bancos feitos em Alagoas, produzidos com madeiras resgatadas do fundo do rio São Francisco, em que a artista fez pinturas que remetem ao folclore da Ilha de Ferro, povoado próximo.

Tradição do Carnaval pernambucano, La Ursa é representada no artesanato

Conheça mais sobre essa herança do Carnaval europeu que se integrou à cultura de Pernambuco e o trabalho dos artesãos locais sobre o tema

Matéria realizada e divulgada Por Rosana Ferreira em https://revistacasaejardim.globo.com/artesanato/noticia/2023/02/tradicao-do-carnaval-pernambucano-la-ursa-e-representada-no-artesanato.ghtml
No Carnaval de Pernambuco, a fantasia principal da tradição La Ursa consiste em um macacão e uma máscara de urso que cobre toda a cabeça, geralmente feita de papel machê e pintada à mão — Foto: Ed Machado / Divulgação

Quem mora fora Pernambuco talvez não conheça La Ursa, personagem presente nas festas de rua de Recife e outras cidades do interior durante o Carnaval, trazida pelos imigrantes europeus e se integrou à cultura local.

Com elementos teatrais, a atuação tem um urso como figura central acompanhado de seu domador, mas não para por aí e invade – no bom sentido – o território do artesanato, com a produção de máscaras, esculturas e cachepôs.

A tradição faz alusão aos números circenses com o animal, algo comum na Itália à época em foi introduzida por aqui, entre o final do século 19 e a década de 1920. A fantasia principal consiste em um macacão feito de veludo, estopas, pelúcia ou retalhos de tecidos costurados, além de uma máscara que cobre toda a cabeça, geralmente feita de papel machê e pintada à mão.

O conjunto conta ainda com o caçador ou domador – que costuma carregar uma espingarda –, o italiano, representado com grandes bigodes e que arrecada dinheiro dos foliões, além de outros personagens como o porta-cartaz. “Crianças e adultos saem pelas ruas brincando, dançando, cantando marchinhas, pedindo dinheiro e fazendo bastante barulho por onde passam”, conta Lucas Lassen, curador e diretor criativo da Paiol, loja de artesanato e arte popular brasileira.

O interessante da arte popular, segundo ele, é a liberdade que dá aos artistas para buscarem suas distintas interpretações sobre um mesmo tema. “La Ursa faz parte do imaginário pernambucano e está nas ruas, nas fantasias e também na cerâmica”, analisa o curador.

Conheça alguns nomes da arte no cenário pernambucano que transferem essa tradição para o artesanato.

1. Lula Vassoureiro

Máscaras de papel machê de Lula Vassoureiro, um dos mais antigos artesãos que representam essa tradição — Foto: Alexandre Disaro / Divulgação

Natural de Bezerros, no Agreste Central, Lula Vassoureiro conta que fez a primeira máscara em 1950, aos 6 anos, para uso próprio. Um dos mais antigos artesãos que carregam a tradição das máscaras de papel machê, ele foi influenciado pelo pai e avô – também excelentes artesãos.

Após muitas décadas fazendo máscaras inspiradas na cultura pernambucana, desde 2014, Vassoureiro é considerado Patrimônio Vivo de Pernambuco, com a incrível marca de mais de dez milhões de máscaras produzidas.

2. Mestre Antônio Rodrigues

Os bonecos de pouco mais de 30 cm do Mestre Antônio Rodrigues representam um homem vestindo a fantasia de urso e são bem fiéis às que são vistas nos carnavais de rua de Pernambuco — Foto: Alexandre Disaro / Divulgação

Mestre Antônio Rodrigues é conhecido por seus bonecos de barro policromados. Nascido em Alto do Moura, bairro de Caruaru, tido como o maior centro de artes figurativas das Américas, ele se tornou ceramista por influência do pai, o Mestre Zé Caboclo, e de amigos como o Mestre Vitalino.

Também se dedica a reproduzir as cenas do cotidiano pernambucano, dentre elas a La Ursa, com figuras de pouco mais de 30 cm, que representam um homem vestindo a fantasia de urso – bem fiéis às que são vistas nos carnavais de rua do Estado.

3. Aline Feitosa

A La Ursa foi a primeira personagem que Aline Feitosa começou a criar e, atualmente, sua produção chega a 300 cachepôs por mês — Foto: Chico Porto / Divulgação

Aline Feitosa veio da área de comunicação, na qual atuou por 25 anos, quando começou a trabalhar com cerâmica por hobby, em 2020. Moradora de Olinda, sempre esteve envolvida no cenário cultural da cidade, por isso seu desejo era fazer peças que unissem as tradições locais e, ao mesmo tempo, tivessem uma função utilitária.

A La Ursa foi a primeira personagem que ela começou a criar a partir do barro e, desde então, nunca mais parou, com seus cachepôs que viraram sucesso. Atualmente, chega a produzir cerca de 300 peças mensais.