A arte de Conceição dos Bugres

“Um dia, me pus sentada embaixo de uma árvore… Perto de mim tinha uma cepa de mandioca, que tinha cara de gente. Pensei em fazer uma pessoa e fiz. Aí, a mandioca foi secando e foi ficando parecida com uma cara de velha. Gostei muito. Depois eu passei para a madeira… Começo a fazer e já vai saindo aquela forma de costume. Muitas vezes nem penso nisso e sai um rindo. Parece que a madeira é que quer sair assim. Acho que a madeira manda mais que eu”.

Assim começou a história da escultora Conceição Freitas da Silva, mais conhecida como Conceição dos Bugres.

Foto: Roberto Higa

Nascida em Povinho de Santiago, Rio Grande do Sul, 1914, Conceição mudou com a família, ainda criança, para Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, por causa da perseguição aos índios na região Sul, em confrontos com a onda de imigração europeia no início do século XX. Anos depois vai para Campo Grande e lá fica até sua morte, em 1984, com 70 anos.

Ela trabalhava na roça e dedicava-se aos trabalhos manuais. Ficou conhecida pela produção de “bugres”, esculturas de pessoas com traços indígenas, e foi considerada a escultora mais importante do Centro Oeste, tornando-se ícone do Mato Groso do Sul.

Era mãe de dois filhos, casada com o também artista Abílio Antunes.

Relação com a natureza

Tinha uma relação de respeito com a natureza, de onde tirava a madeira, cera de abelha e ervas. As esculturas produzidas são cobertas de cera, que serve para preservar a madeira e proteger a figura do frio. A técnica da cera foi revelada à ela em um sonho.

Segundo Conceição, seus golpes de cinzel e serrote seguem informações já contidas nas toras de eucalipto; são um meio de revelar aquilo que já existe no material. “A madeira é sábia”.

Seu trabalho é preciso e repetitivo. O cabelo das esculturas e os traços do rosto remetem à ascendência indígena. Já o formato do corpo é do formato original da madeira, sem muita intervenção da artista. De acordo com o Professor Miguel Chaia, a obra de Conceição é “fundamentada na repetição da igualdade e na especificidade da diferença”. Ele destaca que a artista dedica-se a um único assunto e, em torno dele, desdobra infinitamente uma mesma forma e uma mesma técnica. Formalmente, há em suas obras uma aliança entre síntese e seriação que remete a escultores modernos como o franco-romeno Constatin Brancusi (1876-1957). Há, ainda, o vínculo com expressões primitivas e arcaicas, como os moais da Ilha de Páscoa, ou com arquétipos da cultura popular, como os ex-votos.

Bugre

O nome “bugre”, que Conceição adota para nomear as esculturas, remete à sua origem, tribo indígena do sul do Brasil, perseguida pelos bugreiros. “O termo ‘bugre’ passou a designar os índios combatidos, perseguidos e afastados do seu território”, explica Miguel Chaia.

A esperança de encontrar uma vida melhor não se realiza. 

Reconhecimento

Demorou para que a artista ganhasse reconhecimento. O esforço da crítica Aline Figueiredo e do artista plástico Humberto Espíndola em defesa da produção artística do Centro-Oeste contribuiu para que Conceição dos Bugres fosse conhecida.

A obra da artista foi exposta em várias exposições pelo Brasil e até internacionalmente, como Espanha e França.

Legado

Abílio, marido de conceição, fazia móveis de madeira. Após a morte da esposa ele começa a fazer os bugres. 

O neto Mariano acompanhava o trabalho da avó e seguiu seu legado: “enquanto eu estiver vivo e as condições físicas permitirem, jamais deixarei de fazer”.

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