“Um dia, me pus sentada embaixo de uma árvore… Perto de mim tinha uma cepa de mandioca, que tinha cara de gente. Pensei em fazer uma pessoa e fiz. Aí, a mandioca foi secando e foi ficando parecida com uma cara de velha. Gostei muito. Depois eu passei para a madeira… Começo a fazer e já vai saindo aquela forma de costume. Muitas vezes nem penso nisso e sai um rindo. Parece que a madeira é que quer sair assim. Acho que a madeira manda mais que eu”.
Assim começou a história da escultora Conceição Freitas da Silva, mais conhecida como Conceição dos Bugres.
Nascida em Povinho de Santiago, Rio Grande do Sul, 1914, Conceição mudou com a família, ainda criança, para Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, por causa da perseguição aos índios na região Sul, em confrontos com a onda de imigração europeia no início do século XX. Anos depois vai para Campo Grande e lá fica até sua morte, em 1984, com 70 anos.
Ela trabalhava na roça e dedicava-se aos trabalhos manuais. Ficou conhecida pela produção de “bugres”, esculturas de pessoas com traços indígenas, e foi considerada a escultora mais importante do Centro Oeste, tornando-se ícone do Mato Groso do Sul.
Era mãe de dois filhos, casada com o também artista Abílio Antunes.
Relação com a natureza
Tinha uma relação de respeito com a natureza, de onde tirava a madeira, cera de abelha e ervas. As esculturas produzidas são cobertas de cera, que serve para preservar a madeira e proteger a figura do frio. A técnica da cera foi revelada à ela em um sonho.
Segundo Conceição, seus golpes de cinzel e serrote seguem informações já contidas nas toras de eucalipto; são um meio de revelar aquilo que já existe no material. “A madeira é sábia”.
Seu trabalho é preciso e repetitivo. O cabelo das esculturas e os traços do rosto remetem à ascendência indígena. Já o formato do corpo é do formato original da madeira, sem muita intervenção da artista. De acordo com o Professor Miguel Chaia, a obra de Conceição é “fundamentada na repetição da igualdade e na especificidade da diferença”. Ele destaca que a artista dedica-se a um único assunto e, em torno dele, desdobra infinitamente uma mesma forma e uma mesma técnica. Formalmente, há em suas obras uma aliança entre síntese e seriação que remete a escultores modernos como o franco-romeno Constatin Brancusi (1876-1957). Há, ainda, o vínculo com expressões primitivas e arcaicas, como os moais da Ilha de Páscoa, ou com arquétipos da cultura popular, como os ex-votos.
Bugre
O nome “bugre”, que Conceição adota para nomear as esculturas, remete à sua origem, tribo indígena do sul do Brasil, perseguida pelos bugreiros. “O termo ‘bugre’ passou a designar os índios combatidos, perseguidos e afastados do seu território”, explica Miguel Chaia.
A esperança de encontrar uma vida melhor não se realiza.
Reconhecimento
Demorou para que a artista ganhasse reconhecimento. O esforço da crítica Aline Figueiredo e do artista plástico Humberto Espíndola em defesa da produção artística do Centro-Oeste contribuiu para que Conceição dos Bugres fosse conhecida.
A obra da artista foi exposta em várias exposições pelo Brasil e até internacionalmente, como Espanha e França.
Legado
Abílio, marido de conceição, fazia móveis de madeira. Após a morte da esposa ele começa a fazer os bugres.
O neto Mariano acompanhava o trabalho da avó e seguiu seu legado: “enquanto eu estiver vivo e as condições físicas permitirem, jamais deixarei de fazer”.