Neste Dia dos Pais, conheça quatro artesãos brasileiros que vivem da arte e tentam passar o conhecimento para seus filhos
Por Ana Sachs
Ainda que dominado por mulheres, o artesanato e a arte popular também têm muitos representantes homens. Alguns deles, pais de mais de um filho, encontraram na atividade uma paixão e forma de garantir o sustento de suas famílias.
Muitos chegaram ao ofício influenciados pelas esposas, mas outros encontraram nas artes uma forma de expressão e mudança de vida. Segundo Lucas Lassen, diretor criativo da Paiol, loja de arte popular e artesanato de tradição, são homens que, após trabalhar em serviços pesados, veem no ofício uma alternativa.
“Alguns herdam essa habilidade artística da própria família. Mas outros a desenvolvem a partir da necessidade ou após se verem obrigados a ficar em casa por problemas de saúde ou pela perda do emprego formal. Com isso, além de se transformar em um ofício, o artesanato também se torna uma ferramenta terapêutica, que melhora a relação entre pais e filhos”, fala Lucas.
Conheça alguns destes pais artesãos!
Mestre J. Borges
Com mais de 60 anos ininterruptos de carreira, José Francisco Borges, conhecido como Mestre J. Borges, é uma das principais referências em xilogravura no Brasil. Natural da cidade de Bezerros, em Pernambuco, é dono de uma técnica própria de talhar e colorir a madeira. Pai de 18 filhos, conta com a companhia de cinco deles no ofício das artes, trabalho com o qual ele sustenta a grande família desde a década de 1960.
“Eu só comecei na xilogravura, porque decidi escrever cordéis. Embora o cordel seja uma arte linda, eu acho que a ilustração traz um encanto para a publicação, mas mandar ilustrar era muito caro naquela época. Por isso, eu decidi ilustrar os meus próprios folhetos usando a técnica da xilo”, conta J. Borges.
Bacaro Borges, de 22 anos, é o mais novo de todos e começou a produzir os seus primeiros trabalhos de xilogravura aos 5 anos, com o auxílio do pai e dos irmãos mais velhos.
“O que nos diferencia é a vivência. Parte da arte do meu pai apresenta histórias contadas há mais de 60 anos. E mesmo que eu tenha um traço que retrata o Nordeste de forma muito parecida com a dele, percebo que tenho inspiração no hoje, nas demandas sociais, na política e outros temas mais atuais. No que depender da gente, esse trabalho vai seguir por muitas gerações na família”, diz o jovem.
Sr. Gervásio
O artesão Gervásio de Oliveira Santos vive da arte há 30 anos. Natural de Prados, cidade turística próxima a Tiradentes, em Minas Gerais, trabalhou no campo antes de se encontrar na profissão. “Eu fiz todo tipo de serviço disponível na roça. E foi lá mesmo que comecei no artesanato por incentivo do meu cunhado”, relembra.
O pai de quatro filhos é conhecido pelos banquinhos que representam animais silvestres e da fazenda, feitos com madeira de demolição encontrada na região. O mais famoso é o de onça, com pintura amarela e pintas pretas. Em 2022, em parceria com a Paiol, ele lançou o banco Pantera Negra, idealizado por Lucas Lassen.
Atualmente, Gervásio tem a ajuda do filho mais novo, de 15 anos, que demonstrou interesse pelo artesanato. “A gente quer ver nossos filhos saudáveis e felizes, mas se ele decidir ser artesão, eu vou gostar”, comenta.
Bento de Sumé
Bento Medeiros Gouveia atua há 23 anos no artesanato com madeira. Natural da cidade de Sumé, na Paraíba, que rendeu o apelido pelo qual é conhecido, ele teve um longo caminho antes de chegar às artes. Vivendo em São Paulo, foi ajudante de caminhoneiro por 18 anos até ser atropelado, acidente que o obrigou a ficar 4 anos parado e com a renda comprometida.
Durante um passeio, encontrou um palete na rua e decidiu levá-lo para casa. Da peça nasceram os primeiros passarinhos, uma girafa e uma Nossa Senhora Aparecida, trabalho que serviu como terapia. “Um vizinho viu e insistiu para eu levar a uma feira, mas eu não consegui e acabei dando as peças para as crianças do bairro”, conta.
De volta a Sumé, ele começou a trabalhar com a umburana, madeira abundante na região. Com o sucesso de duas criações entre os turistas, passou a vender as peças em feiras e lojas, tornando-o um dos principais nomes do artesanato paraibano. A arte ajudou Bento a criar os dois filhos, que, hoje, moram em São Paulo e não seguiram a profissão do pai.
Getúlio Lima Francisco
Pai de dois filhos, um de 12 anos e outro já adulto, Getúlio começou no artesanato há cerca de 2 anos. Antes, ele trabalhava como pedreiro até machucar a coluna e ser mandado embora, em 2019.
Morador de Campo Alegre, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, uma das mais importantes regiões cerâmicas do Brasil, ele não enxergava o artesanato como uma possibilidade de trabalho. “Essa sempre foi uma atividade muito feminina, para complementar a renda, mas até pouco tempo atrás não era comum ver gente sustentando a casa com a cerâmica”, revela.
Com tempo livre na pandemia, decidiu participar oficinas de criação, uma delas, promovida por Lucas Lassen com artesãos locais junto ao Instituto Sociocultural do Jequitinhonha. Acabou gostando do ofício e, atualmente, junto à esposa, produz vasos e flores usando as técnicas e tradições que dominam a região há mais de seis gerações.
“Meu filho mais novo já começa a fazer uma peça ou outra. E essa é uma das coisas mais valiosas que o artesanato tem me trazido: a possibilidade de estar dentro de casa e vendo meu filho crescer junto comigo”, destaca.