A vanguarda nasceu na década de 1970 como o ponto de partida para o reconhecimento de uma arte erudita puramente brasileira
Por Rafaela Freitas
16/07/2024 06h51 Atualizado há 2 semanas
Criado sob as asas da Universidade Federal de Pernambuco e lançado ao povo em Recife em 18 de outubro de 1970, o Movimento Armorial representa as raízes e a identidade nordestina nas artes plásticas, cênicas e até mesmo na literatura.
Liderada pelo filósofo e artista Ariano Suassuna, que teria completado 97 anos em 16 de junho deste ano, a vanguarda tem como referências-base o Quinteto Armorial; Ariano, que também era escritor; Gilvan Samico; e Mestre J. Borges, mestres da xilogravura brasileira.
“O lado encantador do movimento armorial está em sua capacidade de fazer com que os artistas locais passassem a olhar para o seu próprio cotidiano com orgulho, considerando a beleza, as mazelas, a explosão de cores, a sonoridade e a visão daqueles que vivenciam diariamente o sertão”, explica Lucas Lassen, curador de arte popular e diretor criativo da Paiol.
Segundo a historiadora da imagem, arte e cultura e mestra em História da Arte e da Cultura Vanessa Bortulucce, o termo “armorial” faz referência ao conceito francês de armoiries, que significa “armas”. Para ela, o nome evoca um conjunto de sinais e identidades nordestinas, como a fauna e flora da região.
Vanessa ainda explica que mesmo para Ariano, o movimento enxergava a si com abertura para todas as vertentes artísticas, espalhando-se também pela dança, como o xaxado, frevo e reisado, passando pela cerâmica, a xilogravura, a poesia, a tapeçaria, o mamulengo (teatro de bonecos) e diversas outras formas de fazer arte.
Datado da década de 1970, o Movimento Armorial continua em ampla visibilidade até hoje. Entre os artistas em destaque citados por Lucas, Leonildo da Silva é um ceramista nascido em Alto do Moura (PE), que começou a criar peças de barro por volta dos 10 anos, retratando o cotidiano nordestino com figuras humanas, carros de boi, festas da região e outros símbolos.
“O armorial é parte da nossa vida. O cordel e as histórias são uma grande fonte de inspiração não só para mim, mas para toda a minha família, e também para outros artistas locais”, afirma ele, filho e pai de artesãos.
Mais um dos nomes da atualidade, Alcione Freitas é pedagoga e artesã de Paulista, município de Pernambuco. Com técnicas que misturam modelagem e pintura, sua entrada no universo do movimento se deu pelo desenho, passou pela pintura e, mais tarde, migrou para o papel machê e a papietagem, que acabaram se tornando sua principal fonte de renda.
Hoje, a artista usa da reciclagem e do reaproveitamento de embalagens plásticas, garrafas pet, rolos de fitas e diferentes tipos de papel para trabalhar em suas obras.
“Inspirada pela comemoração dos 50 anos do movimento armorial, em 2020, e incentivada pela Fenearte, principal feira de arte popular do Brasil, ela começou a produzir a Boneca de Roca e o Anjo Armorial, dois elementos sempre presentes no movimento. Feitas de papel, a partir da pintura, as obras mantêm sua leveza, mas parecem ter sido produzidas em cerâmica”, diz Lucas.
Ainda, um dos nomes mais fortes do Armorial, Ariano, seu precursor, é conhecido pelo grande projeto O Auto da Compadecida, uma peça de teatro que retrata o dia a dia de João Grilo e Chicó, que, em 2000, ganhou adaptação para a televisão. “O movimento é o conceito de arte total, existente há muito tempo em várias experiências artísticas, e aqui se afirma em solo brasileiro”, finaliza Vanessa.