Artesanato indígena, no PA, atrai empresários para intercâmbio cultural que movimentou R$ 85 mil

Indígenas Assurini receberam empresários dos setores de decoração e artesanato para imersão cultural na aldeia. ‘Assumiram total autonomia’, diz antropóloga.

Por g1 Pará — Belém
24/05/2024 12h44  Atualizado há 3 dias

Povo Assurini, no Pará, aposta em intercâmbio cultural com empresários dos setores de decoração e artesanato. — Foto: Paiol / Divulgação

Indígenas do povo Asurini, no Pará, estão abrindo a comunidade tradicional para que empresários dos ramos de artesanato e decoração façam imersão cultural. A ideia movimentou R$85 mil durante o Primeiro Encontro de Negócios Indígenas do Médio Xingu, realizado no início de maio.

Foram dez representantes de empresas participantes na iniciativa, idealizada por Ricardo Pedroso. “No final de 2023, fui procurado pela liderança da Aldeia ITA.aka para ajudá-los a organizar alojamentos dos Jogos Indígenas. Com isso, tive a ideia de convidar alguns dos principais empresários desta cadeia do artesanato a fim de incentivar a compra de peças artesanais, permitindo a geração de renda para a aldeia e a conexão entre produtores e compradores”, ele explica.

O evento buscou realizar novas parcerias entre indígenas e o representantes do mercado, além de promover a sustentabilidade por meio da produção artesanal. O encontro ocorreu simultaneamente à segunda edição do Intercâmbio Cultural do Povo Asurini, que reuniu outras etnias da região para competições esportivas, troca de saberes e fortalecimento de identidades indígenas.

A antropóloga e arqueóloga Fabíola Andréa Silva, professora do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), acompanhou toda a viagem. A doutora explica que o ponto alto do encontro foi a organização da etnia na comercialização dos trabalhos de artesanato.

“Esta foi a primeira vez que os vi tendo total autonomia na formação dos preços, na negociação e na gestão de tudo o que estava acontecendo”.

Silva, que acompanha os indígenas Asurini há cerca de 26 anos, pontua que o processo de autonomia “é de extrema importância, porque além de contribuir para a geração de renda e para sustentabilidade da etnia, a ação também ajuda a incentivar a transmissão dos saberes artesanais para os mais jovens da aldeia, estimulando que a tradição do feito à mão se mantenha ao longo das próximas gerações”.

Arte indígena atrai empresários dos setores de decoração e artesanato para imersão cultural no Pará. — Foto: Paiol / Divulgação

Os participantes do intercâmbio cultural passaram oito dias imersos na região, partindo de Belém para Altamira. Depois, com mais duas horas de barco pelo rio Xingu, até chegar à aldeia ITA.Aka, onde ficaram hospedados. Eles também puderam ter contato com outras etnias, como os Paracanã, os Arara, os Kayapó e os Araweté.

Para a construção dos alojamentos nos quais os empresários ficaram hospedados, o grupo investiu cerca de R$15 mil, que serviram para a compra de materiais e para serviços de construção.

Como contrapartida, o espaço abrigará uma escola com três salas de aula dentro da aldeia que, além de oferecer formação formal, também deve funcionar como espaço para reforçar e fortalecer tradições da etnia.

“A vivência da cultura in loco nos permite trazer a história daquelas peças com maior profundidade. A experiência nos ajuda a entender melhor como os trabalhos são feitos e o contexto da produção”, comenta Lucas Lassen, fundador e diretor criativo de uma marca parceira de mais de 400 artesãos e grupos de artesanato pelo país.

Filtros de barro antigos e contemporâneos mantêm viva a tradição brasileira

A peça que virou ícone nacional ganha novas cores, formatos e desenhos que ajudam a mantê-la viva nos lares brasileiros

Por Ana Sachs

15/05/2024 06h48  Atualizado há um dia

O filtro de barro faz parte da cultura brasileira e vem ganhando roupagens diferentes — Foto: Da’Terra Cerâmica, Alexandre Disaro e Amantiquira / Divulgação

Referência nas casas brasileiras, o filtro de barro já faz parte da cultura nacional e, atualmente, deixa o tradicional tom natural para ganhar novos designs, cores e formatos. Simples e funcional, ele surgiu na virada do século 19 para o 20 e, embora não se tenha registro quem o criou, sabe-se que imigrantes portugueses e italianos trouxeram as primeiras velas para filtrar água ao país.

“Naquela época, os filtros eram produzidos de metais e as velas eram feitas de diferentes pedras porosas. Porém, em algum momento, no interior de São Paulo, perceberam que as jazidas de argila da região de Ribeirão Preto ofereciam um excelente material para potes de cerâmica – peças tradicionais usadas para armazenar água. A partir daí, começam a desenvolver os filtros mais populares”, revela Lucas Lassen, diretor criativo da Paiol, loja especializada em objetos com história.

Devido ao seu baixo custo, o filtro de barro se popularizou pelo Brasil como uma solução para reduzir a incidência de doenças causadas pelo consumo de água contaminada. Ele também fez sucesso por manter o líquido sempre fresco graças às propriedades do barro, que facilitam a evaporação e manutenção de temperatura na parte interna.

“Neste processo, os artesãos começaram a incluir suas identidades nestas peças que, hoje, ganham várias interpretações artísticas inspiradas no cotidiano e em elementos que acabam sendo uma expressão da cultura local”, comenta Lucas.

Abaixo, conheça quatro regiões que têm mantido viva a tradição brasileira dos filtros de barro atualmente:

Jaboticabal, no interior de São Paulo

Com tons de terracota e linhas vermelhas, filtro São João é o mais popular nas casas brasileiras — Foto: Cerâmica Stéfani / Divulgação

A cidade na região de Ribeirão Preto abriga a sede da fábrica que popularizou o uso dos filtros de barro no Brasil. A Cerâmica Stéfani foi fundada em 1947 e é a responsável pelo produção do famoso filtro São João.

A peça de linhas curvas, tom de barro e listras vermelhas se tornou um ícone nacional. Algumas características da produção – que começou de forma manual – se mantêm firmes há quase 8 décadas, mas, hoje, o processo inclui etapas industriais para manter a qualidade das peças.

Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais

Os filtros do Vale do Jequitinhonha recebem pinturas florais ou têm formato de cacto — Foto: Alexandre Disaro / Divulgação

Uma das regiões mais necessitadas do Brasil abriga também um dos principais redutos de artesanato do país, com famílias que vivem da arte há cerca de seis gerações. Além de utilitários e peças decorativas de cerâmica, destacam-se na produção local os filtros de barro com temas florais e volutas (ornamento em espiral).

As peças têm como característica principal a pintura com pigmentos naturais, que segue uma paleta de cores extraída das diferentes tonalidades de barro da região. O famoso filtro em forma de cacto é produzido no Vale do Jequitinhonha e surgiu de uma parceria entre designers e artesãos. As peças podem ser encontradas na Loja Paiol.

Serra da Capivara, no Piauí

Os filtros da Serra da Capivara, no Piauí, têm desenhos que remetem a pinturas rupestres — Foto: Amantiquira / Divulgação

A região que abriga o Parque Nacional Serra da Capivara, o maior conjunto de sítios arqueológicos das Américas, também é um polo de cerâmica. Em 1994, a Cerâmica Artesanal Serra da Capivara foi fundada no município de Coronel José Dias, visando trazer visibilidade ao parque e às suas pinturas rupestres.

À frente da iniciativa esteve a arqueóloga Niéde Guidon, que descobriu as relíquias antigas. Hoje, os desenhos se tornaram marca das cerâmicas locais e aparecem em pratos, copos, jarras, vasos, panelas e nos famosos filtros de barro, que podem ser encontrados na loja Amantiquira.

Recreio, em Minas Gerais

Recreio, em Minas Gerais, retomou a tradição artesanal local com uma nova estética — Foto: Da’Terra Cerâmica / Divulgação

A cidade na zona da mata mineira já foi um polo industrial de cerâmica e uma das principais regiões produtoras de filtros de barro do país. Atualmente, boa parte das fábricas fechou as portas, mas as amigas de infância Giany Andries e Keyla de Morais resolveram resgatar a antiga tradição. Há cerca de 3 anos, elas abriram o ateliê Da’Terra Cerâmica.

Com uma produção menor de utilitários de cerâmica, os filtros se destacam por sua estética que ressalta os elementos da natureza, como carpas, ipês, folhas de bananeira, e figuras religiosas. As cores chamativas das peças, feitas a partir da modelagem com as mãos e o torno manual, devem-se a um processo natural de pigmentação e vitrificação.