Loja Paiol e Rede Artesol lideram movimento para trazer dignidade ao setor, que é fonte de renda de 10 milhões de pessoas
Frequentemente associado a pequenos produtores agrícolas, o conceito de comércio justo – que busca promover padrões produtivos e comerciais responsáveis e sustentáveis – tem ganhado força no mercado de artesanato e arte popular.
A aposta é em relações mais próximas e humanas com os artesãos, para tentar trazer dignidade ao trabalho destes pequenos empreendedores, muitas vezes explorados por comerciantes ou pouco valorizados até mesmo pelo poder público.
Uma das maiores organizações do setor, a Artesol nasceu em 1998 e, desde então, trabalha com ações de fomento ao artesanato e à arte popular no país com base em uma metodologia própria de estruturação de negócios pautada pelos princípios do comércio justo.
“Idealizamos e mantemos uma rede de artesãos, artistas e associações onde o critério para se tornar membro não é o produto em si e, sim, o sistema produtivo, desde que o artesanato seja de tradição cultural”, diz Jô Masson, diretora-executiva da entidade.
Desde 2006, a Artesol integra a Organização Mundial de Comércio Justo (Word Fair Trade Organization), e as peças criadas nos projetos da rede são vendidas na Artiz, loja no shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Além do trabalho em campo, com mentorias e capacitações para os artesãos e associações de pequenos produtores, a organização também tem um canal na internet com mais de 180 aulas gratuitas.
“Um dos maiores exemplos do impacto dessas práticas é a Central Veredas, associação no noroeste de Minas Gerais com artesãs que plantam, cardam, tingem e tecem o algodão natural do cerrado brasileiro. Atualmente, após diversos treinamentos com a Artesol, a Veredas gera trabalho e renda digna para as artesãs que estão sempre inovando e dialogando com o mercado contemporâneo, mas sem perder suas raízes”, conta Jô.
Artesanato como meio de vida
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor de artesanato movimenta R$ 50 bilhões por ano e é fonte de renda de mais de 10 milhões de pessoas. Mas ainda falta valorização e há pouco incentivo para o ofício, segundo Jô. “É importante ressaltar a necessidade de políticas públicas que priorizem este setor no espectro da economia criativa, considerando seu potencial de relevância patrimonial, mas também de desenvolvimento social e econômico”, destaca.
O trabalho dos artesãos atua na preservação da memória artística e cultural nacional. Sem incentivos, todo esse acervo pode se perder. “Para que ele [artesão] ou o artista popular continue produzindo, é necessário que consigam ter as suas necessidades básicas atendidas“, avalia Lucas Lassen, diretor criativo da Paiol, uma das maiores lojas de artesanato e arte popular da cidade de São Paulo.
Para ele, é muito importante incentivar principalmente os mais jovens a acreditarem no ofício de artesão como um meio de subsistência. Sem essa visão de futuro, muito da arte popular brasileira pode se perder ao longo do tempo. “Se o jovem artesão não for incentivado, se ele não enxergar que a atividade é sustentável do ponto de vista econômico e, infelizmente, a tradição vai deixando de existir“, avalia.
Na loja Paiol, um dos cases recentes envolve uma das regiões mais carentes do Brasil, o Vale do Jequitinhonha. “Eu me mudei para Turmalina, em Minas Gerais, durante a pandemia, e este foi um período no qual desenvolvemos diversas oficinas para a criação de novos produtos. Nelas, as artesãs mais experientes ensinaram suas principais técnicas para artesãos mais jovens. Um dos resultados deste trabalho foi a criação da coleção Raízes do Vale“, comenta o empresário.
Na avaliação de Lucas, um dos pontos mais sensíveis – o valor justo pelos produtos – exige diálogo e transparência para que a relação produtor/comerciante aconteça de forma equitativa.
“Quando cheguei em alguns locais, percebi uma certa resistência pelo fato de eles já terem sido muito explorados. Por isso, a minha postura sempre foi muito transparente no sentido de mostrar que o valor cobrado do cliente final inclui custos como frete, ações de divulgação, aluguel, salários de equipe, impostos, entre outros. Se estes custos não forem considerados, o negócio não se sustenta e acaba afetando a sustentabilidade do trabalho deles também“, explica.