Comércio justo ajuda a fomentar o artesanato e a arte popular no Brasil

Loja Paiol e Rede Artesol lideram movimento para trazer dignidade ao setor, que é fonte de renda de 10 milhões de pessoas

Matéria realizada e publicada por Ana Sachs em https://revistacasaejardim.globo.com/artesanato/noticia/2023/01/comercio-justo-ajuda-a-fomentar-o-artesanato-e-a-arte-popular-no-brasil.ghtml

Frequentemente associado a pequenos produtores agrícolas, o conceito de comércio justo – que busca promover padrões produtivos e comerciais responsáveis e sustentáveis – tem ganhado força no mercado de artesanato e arte popular.

A aposta é em relações mais próximas e humanas com os artesãos, para tentar trazer dignidade ao trabalho destes pequenos empreendedores, muitas vezes explorados por comerciantes ou pouco valorizados até mesmo pelo poder público.
Uma das maiores organizações do setor, a Artesol nasceu em 1998 e, desde então, trabalha com ações de fomento ao artesanato e à arte popular no país com base em uma metodologia própria de estruturação de negócios pautada pelos princípios do comércio justo.

“Idealizamos e mantemos uma rede de artesãos, artistas e associações onde o critério para se tornar membro não é o produto em si e, sim, o sistema produtivo, desde que o artesanato seja de tradição cultural”, diz Jô Masson, diretora-executiva da entidade.

Peças da coleção Raízes do Vale, criada pela Paiol em parceria com artesãos do Vale do Jequitinhonha — Foto: Alexandre Disaro / Divulgação

Desde 2006, a Artesol integra a Organização Mundial de Comércio Justo (Word Fair Trade Organization), e as peças criadas nos projetos da rede são vendidas na Artiz, loja no shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Além do trabalho em campo, com mentorias e capacitações para os artesãos e associações de pequenos produtores, a organização também tem um canal na internet com mais de 180 aulas gratuitas.

“Um dos maiores exemplos do impacto dessas práticas é a Central Veredas, associação no noroeste de Minas Gerais com artesãs que plantam, cardam, tingem e tecem o algodão natural do cerrado brasileiro. Atualmente, após diversos treinamentos com a Artesol, a Veredas gera trabalho e renda digna para as artesãs que estão sempre inovando e dialogando com o mercado contemporâneo, mas sem perder suas raízes”, conta Jô.

Artesãs do grupo Arte e Talento, de Barreirinhas (MA), trabalham juntas na produção de peça — Foto: Theo Grahl / Divulgação

Artesanato como meio de vida

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor de artesanato movimenta R$ 50 bilhões por ano e é fonte de renda de mais de 10 milhões de pessoas. Mas ainda falta valorização e há pouco incentivo para o ofício, segundo Jô. “É importante ressaltar a necessidade de políticas públicas que priorizem este setor no espectro da economia criativa, considerando seu potencial de relevância patrimonial, mas também de desenvolvimento social e econômico”, destaca.

O trabalho dos artesãos atua na preservação da memória artística e cultural nacional. Sem incentivos, todo esse acervo pode se perder. “Para que ele [artesão] ou o artista popular continue produzindo, é necessário que consigam ter as suas necessidades básicas atendidas“, avalia Lucas Lassen, diretor criativo da Paiol, uma das maiores lojas de artesanato e arte popular da cidade de São Paulo.

Artesãs Anísia Lima fazendo peça da Coleção Raízes de Vale desenvolvida em parceria com a Paiol — Foto: Alexandre Disaro / Divulgação

Para ele, é muito importante incentivar principalmente os mais jovens a acreditarem no ofício de artesão como um meio de subsistência. Sem essa visão de futuro, muito da arte popular brasileira pode se perder ao longo do tempo. “Se o jovem artesão não for incentivado, se ele não enxergar que a atividade é sustentável do ponto de vista econômico e, infelizmente, a tradição vai deixando de existir“, avalia.

Na loja Paiol, um dos cases recentes envolve uma das regiões mais carentes do Brasil, o Vale do Jequitinhonha. “Eu me mudei para Turmalina, em Minas Gerais, durante a pandemia, e este foi um período no qual desenvolvemos diversas oficinas para a criação de novos produtos. Nelas, as artesãs mais experientes ensinaram suas principais técnicas para artesãos mais jovens. Um dos resultados deste trabalho foi a criação da coleção Raízes do Vale“, comenta o empresário.

Na avaliação de Lucas, um dos pontos mais sensíveis – o valor justo pelos produtos – exige diálogo e transparência para que a relação produtor/comerciante aconteça de forma equitativa.

Quando cheguei em alguns locais, percebi uma certa resistência pelo fato de eles já terem sido muito explorados. Por isso, a minha postura sempre foi muito transparente no sentido de mostrar que o valor cobrado do cliente final inclui custos como frete, ações de divulgação, aluguel, salários de equipe, impostos, entre outros. Se estes custos não forem considerados, o negócio não se sustenta e acaba afetando a sustentabilidade do trabalho deles também“, explica.

Grupo de de artesãos passa por formação em projeto da Rede Artesol — Foto: Theo Grahl / Divulgação

Conheça a nova cara da Galeria Metrópole, que forma polo criativo no centro de São Paulo

Designers e empresários migram para o ícone modernista da cidade e querem atrair outro público

Matéria realizada e publicada por Vitória Macedo em https://guia.folha.uol.com.br/passeios/2023/01/conheca-a-nova-cara-da-galeria-metropole-que-forma-polo-criativo-no-centro-de-sao-paulo.shtml

Quem hoje entra na Galeria Metrópole se depara com um cenário um tanto diferente daquele mar de agências de turismo e lojas de câmbio que, nas últimas décadas, povoaram o prédio na região central de São Paulo. É cada vez mais comum o vaivém de uma turma mais moderninha vagando por ali, entre cafés e livrarias, abrindo restaurantes veganos, galerias de arte e casas voltadas ao artesanato brasileiro.

Ícone da arquitetura modernista, o edifício histórico projetado entre os anos 1950 e 1960 por Gian Carlo Gasperini e Salvador Candia já foi, em seus primórdios, um reduto da elite paulistana. Com o fim da pandemia, que fechou as portas de muitos locais tradicionais por ali, a galeria vive uma nova fase.

Galeria Metrópole, projeto de Giancarlo Gasperini – Nelson Kon

Uma das desbravadoras dessa onda é Thaís Mozer, que abriu em setembro a loja de sua confecção, Senhor Coelho, no mesmo box onde até 2020 funcionou o bar Mandíbula. Parte da parede com tijolos à mostra que havia ali se manteve, assim como o balcão onde eram servidos drinques, que hoje é usado como banco para as peças ficarem expostas na vitrine. A escolha de se mudar para a Metrópole pareceu natural. Ela mora no prédio da frente, o Edifício Louvre.

Juliana Amorim é outra que se instalou na galeria recentemente. Na entrada da sua loja, Ju Amora, uma grande frase em neon decora a parede: “Seu real dever é salvar o seu sonho”. “Quero me lembrar disso todos os dias porque não é fácil empreender”, afirma Amorim, que foi atriz e já trabalhou na Europa. Em um ambiente colorido e tomado pelo cheiro de incenso, ela vende diferentes tipos de bancos que produz e pinta.

Ela começou no bairro de Perdizes, mas diz que sempre teve uma paixão pela Galeria Metrópole. Durante a pandemia, afirma ter encontrado um cenário de abandono por ali, com pouca gente circulando e muitas lojas fechadas. Ainda assim, resolveu fazer uma aposta. “Eu comecei a ver várias pessoas olhando para o centro de novo, porque o centro é muito efervescente e faz transbordar a criatividade”, afirma.

Retrato da nova geração de artistas e designers que estão mudando a cara da Galeria Metrópole, antes voltada a agências de turismo e que, após fechamentos na pandemia, vive uma nova fase. Na foto Ju Amora e sua obra, da loja homônima. – Folhapress

Desde que se Amorim se mudou para a Metrópole, alguns outros nomes da indústria criativa vieram junto. Lucas Lassen, por exemplo, abriu uma unidade da Paiol na galeria no mês passado. Seu estabelecimento é uma loja de artesanato brasileiro inaugurada há 15 anos que diz buscar desmistificar a ideia de que esse tipo de arte é elitizado. “A Paiol acaba sendo um link entre esses mundos, ela condensa e amplia, faz conexões, gera acesso para as pessoas conhecerem o Brasil“, diz o curador e empresário.

Ele mantém a sua unidade principal na rua Fradique Coutinho, em Pinheiros, além de outra loja no shopping Center 3, na avenida Paulista. A nova Paiol vem num plano de abrir outras. A clientela, no entanto, ainda é pequena na Galeria Metrópole. “Vamos precisar fazer um trabalho de formação de público”, afirma. “A gente está falando de jovens, de pessoas com menos de 40.

Esse movimento de renovação de ares citado por ele vem acontecendo em todo o entorno —e não está imune às críticas de que promove uma gentrificação. “É preciso entender que a degradação do centro também vem pela exclusão. Eu a vejo como uma via de mão dupla. A gente tem que cobrar [a prefeitura e a segurança pública]“, afirma.

Conheça os novos nomes criativos da Galeria Metrópole

Quem também traz brasilidade para a Metrópole é Antônio Castro, estilista e designer da Foz, fundada em 2020, que une técnicas de artesanato em peças desenvolvidas com grupos de Alagoas, seu estado natal. Ele se mudou para São Paulo em 2014 para fazer faculdade de moda e ficou no centro. Quando começou a procurar um lugar para abrir um espaço e receber os clientes em seu ateliê, olhou para a galeria com atenção.

É ali que ele vai inaugurar, nesta sexta-feira, dia 27, o espaço físico da Foz, com paredes brancas texturizadas, chão de cimento queimado verde, cadeiras de madeira e araras com flores e pássaros esculpidos. “As iniciativas que já estão ocupando esse espaço têm muito a ver com o que eu acredito”, diz. “Ainda há poucas marcas de roupa aqui, mas para o caminho de um design autoral faz sentido que a moda venha para cá também”.

Todos eles dão o crédito de olhar mais para a região ao arquiteto e designer de móveis Paulo Alves. Em 2020 ele se mudou para o edifício onde fica a Galeria Zarvos, bem em frente à galeria Metrópole, e abriu sua loja no térreo.

Retrato da nova geração de artistas e designers que estão mudando a cara da Galeria Metrópole, antes voltada a agências de turismo e que, após fechamentos na pandemia, vive uma nova fase. Na foto Paulo Alves e sua obra, do estúdio Paulo Alves. – Folhapress

Alves encabeçou o selo Criativos do Centro, que tenta dar uma unidade a esse movimento. “Eu fico no pé de todo mundo para vir para cá. De preferência para a minha galeria”, diz o designer, que espalhou vários de seus bancos por ela.

Apesar da fachada discreta da Zarvos, Alves faz da vitrine que dá para a calçada um cenário. Hoje sua loja tem 260 metros quadrados —que alugou pelo mesmo valor que, segundo ele, pagava em 60 metros quadrados na Vila Madalena.

O artista pernambucano Derlon também foi influenciado por Alves e abrirá seu ateliê na Zarvos nos próximos meses, com planos de instalar suas obras inspiradas na xilogravura popular. No primeiro andar, abrirá uma loja de tapetes, a By Kamy, que fará a sua estreia durante a Design Weekend, que acontece em março.

A edição de 2022 do evento, inclusive, já havia jogado luz sobre os artistas que estão no centro, uma vez que contou com circuito na região. Já neste ano, a Feira da Rosenbaum acontecerá na Zarvos, em várias lojas que estão vazias.

“Tem que ter um movimento coletivo. Quanto mais razões as pessoas tiverem para vir para o centro, mais elas vão vir”, diz Alves. Lassen, que tem loja em shopping e em galeria, acredita que a grande diferença entre os dois ambientes talvez seja o senso de coletividade que se criou ao redor da Metrópole —com seus 350 pontos comerciais— e dessa cena criativa que borbulha no centro pós-pandemia. “A gente está vindo reconstruir aqui juntos. A gente vai dar essa cara para a Metrópole.

Galeria Metrópole
Av. São Luís, 187, República, região central

Foz
Espaço físico da marca do designer e estilista Antônio Castro, onde apesenta suas peças de roupa, bolsas e decoração. Inaugura nesta sexta, 27.
2º andar, loja 15

Ju Amora
Loja de bancos decorados e produzidos por Juliana Amorim. Eles tem funcionalidades diferentes: servem para ser mesa, levar ao piquenique ou decorar o quarto da criança.
1º Andar, loja 15

Paiol
Loja de artesanato brasileiro, com curadoria de Lucas Lassen.
1º Andar, loja 25

Senhor Coelho
Espaço físico da fábrica de uniformes Senhor Coelho, fundada por Thaís Mozer. Além de servir para atender aos clientes, ela tem camisas e coleções de roupas para vender.
2º Andar, loja 40

Galeria Zarvos
Av. São Luís, 258, Consolação, região central

Estúdio Paulo Alves
Espaço onde ficam a mostra os trabalhos do designer e arquiteto Paulo Alves, focado na madeira.
Térreo