Ursa risonha e Olinda

Isolamento fez jornalista se descobrir como artista

Aline Feitosa focou no trabalho com barro, que sempre esteve presente em sua vida.

Aline Feitosa

QUEM É 

Aline Feitosa é formada em Jornalismo, profissão na qual atuou por 25 anos em Olinda, PE. Agora se dedica a criações artesanais à frente do Pequeno Ateliê, no mesmo Estado.

Uma ursa risonha, a pureza das crianças e uma brincadeira popular marcam o Carnaval pernambucano todos os anos. A La Ursa passa e quer dinheiro para brincar, atestando o quanto o brasileiro envolve suas festas com cor e folclore. Mas não só os festejos do país são coloridos. O casario de Olinda está perto com mais tonalidades alegres e suas platibandas. Um patrimônio que evoca as memórias de Aline Feitosa.

Depois de 25 anos atuando como jornalista, ela descobriu que esses ícones se tornariam um novo rumo em sua vida. “Olinda é um lugar cosmopolita e a arte pulsa muito aqui. O Carnaval é criativo, tem uma pegada política forte”, ela conta, sempre atenta e envolvida no cenário cultural da cidade. E foi natural quando a pandemia interrompeu seu trabalho jornalístico, que ela desse abertura a essa arte pulsante.

Pouco antes que o mundo se fechasse, ela resolveu dar vazão ao trabalho com o barro, que sempre esteve presente em sua vida. Na época, Emmanuel Cansanção, artista pernambucano, foi quem deu um empurrão para que isso acontecesse. “Comecei a fazer cerâmica como hobby até que um dia meus amigos passaram a querer comprar”, ri.

Quando a pandemia se instalou, os trabalhos no jornalismo foram por água abaixo e o plano B parecia perfeito para não enlouquecer com as horas vagas. “Foi impressionante que a notícia se espalhou sem que eu divulgasse ou fizesse assessoria de imprensa para mim mesma. A La Ursa foi a primeira peça e não parei mais”, conta.

A peça ficou popular nas redes sociais sem muito esforço de divulgação.

Depois veio à mente o casario de Olinda, com as platibandas – recursos da arquitetura para esconder o telhado, na fachada, muito usado antigamente. “Amo passear pelo centro histórico de Olinda. Comecei a moldá-las em miniaturas e deu certo”. Atualmente, Aline produz em média 300 peças por mês, entre La Ursas e casinhas – que se tornam cachepôs de plantas, outra grande paixão dela.

As curvas do casario de Olinda viraram arte nas mãos de Aline

As pessoas me pedem para fazer a casa de sua avó, ou a que viveram na infância e assim entro na história delas. Conservar a memória e um patrimônio como esse no Brasil é extremamente importante.

Ícones brasileiros

Quando um cachepô de plantas se alia a histórias populares brasileiras, adiciona uma camada mais interessante à decoração. “A riqueza de detalhes, as cores vivas e toda a representação da cultura popular faz com que o trabalho da Aline se destaque entre outros jovens artistas”, conta Lucas Lassen, curador e diretor criativo da Paiol, que vende suas criações.

“Nesses dois anos vendi seis mil itens. De forma muito natural, muito linda, tudo aconteceu. Sempre trabalhei com arte e me alimentei disso a vida toda. Agora sou a Aline artista”, ela diz, animada.

Veja as obras de Aline Feitosa

Nova geração mantém viva a tradição da cerâmica, em Minas Gerais

Artesãs da geração Z são estimuladas por meio da parceria com grandes marcas de decoração e da atualização dos produtos que confeccionam

Cibele e Jaqueline Dias de Souza são irmãs e da quinta geração de artesãs da família. divulgação/CASA CLAUDIA

A tradição da transformação do barro em cerâmica está ganhado novas guardiãs no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Jovens entre 16 e 25 anos, filhas, netas, bisnetas e tataranetas de artesãs que, mesmo imersas no universo tecnológico da geração Z, que são os nascidos após 1995, entenderam o artesanato como uma ferramenta de afirmação da identidade. “O barro e o que vem a partir dele é o reflexo do nosso cotidiano. Não tem como fugir, porque para Lodo canto que você olha tem cerâmica”, afirma Cibele Dias de Souza, de 21 anos, que nasceu na zona rural de Turmalina, e que faz parte da quinta geração de ceramistas da família.

A artesã Jaqueline Dias de Souza, de 25 anos, irmã de Cibele, até tentou seguir outros caminhos profissionais, mas a paixão, segundo ela, está no sangue. Com formação técnica em agropecuária, ela trabalhou por sete anos como educadora social até 2021, o que lhe garantia uma fonte de renda maior. “Quando comecei, o artesanato não era tão valorizado como é hoje. Poucos artesãos conseguiam viver bem apenas com o artesanato, mas agora, graças a novos projetos e parcerias, a situação parece estar mudando e fazendo com os jovens daqui vejam essa atividade com outros olhos”, afirma.

Anísia Lima de Souza, artesã e mãe de Jaqueline e Cibele. divulgação/CASA CLAUDIA

Segundo Anísia Lima de Souza, artesã e mãe de Jaqueline e Cibele, alguns fatores contribuem para essa mudança de percepção das filhas e de outros jovens artesãos dessa faixa etária. O desenvolvimento de oficinas, a parceria com grandes marcas de decoração e a criação e atualização de suas linhas de produtos são alguns deles. “Quando nós achamos que a pandemia nos colocaria em dificuldades, fomos surpreendidos com a chegada de pedidos grandes para marcas como a Camicado, TokStok e a Casa Bonita”, revela.

As parcerias foram moldadas por Lucas Lassen, fundador e diretor criativo da Paiol, loja de artesanato que atua há 15 anos em São Paulo e que reúne peças do Brasil inteiro. Acostumado a percorrer o país fazendo curadoria para a própria loja e consultorias criativas para outras marcas, ele se encantou com o Vale há 12 anos por conta dos tradicionais filtros de barro. Em 2020, a relação se estreitou tanto com a comunidade que ele decidiu se mudar para Campo Buriti, reduto de mestres e renomados artesãos na zona rural de Turmalina.

*Embora eu já tivesse uma relação profunda com algumas artesãs, quando me instalei lá eu pude entender melhor o cotidiano, a importância da cerâmica no contexto social e familiar e também as dificuldades delas. Foi quando percebi que junto com elas, nós poderíamos desenvolver um trabalho inovador promovendo parcerias e trocando experiências para conquistar mais mercado de forma criativa”, afirma.

A primeira coleção, chamada Branco no Branco, desenvolvida pelas artesãs para a Camicado, incorporou um novo padrão de cores e novas formas às peças. As criações foram premiadas em 2020 na 7º edição do Prêmio Objeto Brasileiro, premiação bienal promovida pelo Museu À CASA do Objeto Brasileiro e que reconhece trabalhos artesanais do Brasil inteiro.

Ainda segundo Lucas, embora a relação com o barro, que se fortalece por gerações, faça com que essas artesãs se sintam apaixonadas pelo que fazem, o fator econômico também é importante para mantê-las em plena atividade. “É importante ressaltar que a tradição está sendo renovada também do ponto de vista criativo. Essa geração é estimulada com informações o tempo todo e, obviamente, isso se reflete na forma como elas lidam com o trabalho, o que facilita a incorporação de novos olhares nas coleções”, afirma.

Adriely Nunes Lima cursa fotografia e pretende usar seus conhecimentos para dar ainda mais visibilidade ao Vale. divulgação/CASA CLAUDIA

Apaixonada por tudo o que remete ao universo das artes, Adriely Nunes Lima,22 anos, é filha, neta e bisneta de artesãs. Porém, até pouco tempo atrás, mesmo tendo passado a infância fazendo pequenas peças, não se via como
artesã. Cursando o terceiro período da faculdade de fotografia, ela pretende conciliar as duas profissões para melhorar a visibilidade do Vale.

“Muita gente reconhece as peças, mas não conhece o Vale, por isso além do artesanato escolhi a fotografia para poder levar às pessoas a visão de uma pessoa que nasceu, cresceu e vive aqui. Outra questão importante está no fato de que ter boas imagens das peças e da comunidade ajuda a criar uma percepção melhor do nosso trabalho”, completa Adriely.

Andressa Silva Xavier assinou uma coleção de cerâmica aos 16 anos. divulgação/CASA CLAUDIA

O impacto destes novos olhares já começaram a surgir. Andressa Silva Xavier, de apenas 16 anos, é da quinta geração de artesãs da família. É ela a autora de uma nova coleção de cachepôs e enfeites de cactos que podem ser usados na mesa e na parede e que devem ser lançados em breve pela Paiol. “O desafio de criar uma coleção partiu do Lucas, que tem estimulado essa renovação do Vale e que desde a pandemia tem deixado todo mundo com tanto trabalho que decidi me aventurar também”, finaliza.